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Mais do que um diário

12/07/2006

Internet: Os Blogs evoluem e tentam consolidar-se como meio de comunicação, além de opção para a publicidade e empresas.

Se acreditar no que está escrito nos jornais às vezes não é fácil, imagine confiar nas informações apresentadas nos blogs hospedados na internet, onde qualquer um pode escrever qualquer coisa e ser lido em pontos remotos do planeta. Pois os números mostram que os blogs são a febre do momento no mundo virtual. Eles já somam 47 milhões em atividade no mundo, mas esse volume praticamente dobra a cada seis meses.

Não bastasse a quantidade de blogs, também é impressionante a avalanche de informações a todo instante: cerca de 1,2 milhão de novos artigos por dia, ou 50 mil por hora. Os textos são escritos por 35 milhões de pessoas. A discrepância entre páginas e autores se explica: muitos blogs são abandonados com o tempo. Esse universo não tem atraído a atenção apenas daqueles que sonham em fazer relatos nos diários virtuais. mas também de empresas. agências de publicidade, empresas jornalísticas e partidos políticos.

As agências publicitárias, por exemplo, testam nos blogs técnicas de marketing viral, a nova denominação do tradicional boca a boca. Já as empresas criam páginas para se comunicar com os consumidores e os políticos tentam uma aproximação maior com os eleitores nesses sites pessoais interativos.

A consultaria americana Technorati, responsável pelo levantamento acima, rastreia em tempo real o que acontece no mundo dos blogs, a chamada blogsfera. A empresa só leva em conta as páginas ativas, ou seja, que recebem visitas, são atualizadas e possuem links, ou caminhos. para outras partes da internet. Sem esse critério. seria praticamente impossível mensurar todos os criados até hoje.

No Brasil, depois do sucesso das páginas criadas para comentar a Copa do Mundo, as eleições de outubro são o novo alvo dos blogueiros. O PT pretende incluir no site de campanha do candidato Lula links para blogs favoráveis ao candidato. O PSDB estuda criar uma página para a campanha de Geraldo Alckmin. Quem já tem o próprio blog é o senador Cristovam Buarque, candidato à Presidência pelo PDT, embora a página seja alimentada por textos de assessores.

Um dos políticos brasileiros pioneiros foi o prefeito carioca Cesar Maia, que manteve um blog no ar por pouco mais de dois meses. O pretexto para o fim precoce da página, em setembro de 2005, foi a falta de tempo para escrever. Mesmo assim, ele diz ter gostado da experiência. “O blog permite ao político perder a inibição ao comentar sobre a linha adotada pela mídia e tornar seu comentário público”, declarou na época, não por acaso, em outro blog, o do jornalista Jorge Bastos Moreno.

Quem pensa em fazer parte da blogsfera tem de se preparar para se dedicar à novidade e conviver com as críticas. Segundo as regras dos usuários, deixar os comentários sem resposta ou não publicálos é inadmissível. Na semana seguinte à eliminação do Brasil na Copa do Mundo, por exemplo, internautas recorriam a outros blogs para expressar indignação por não conseguirem publicar no site de Roberto Carlos, lateral da Seleção Brasileira, comentários pouco elogiosos à sua performance.

A mesma liberdade que permite as pessoas dizerem o que bem entendem nas próprias páginas e selecionar as respostas exibidas, entretanto, também exige dos internautas cuidado ao ler e passar adiante as informações na rede. “O contexto dos blogs é totalmente imprevisível, aberto. Um caos inventivo que traz em si a sua própria ordem”, avalia Eugênio Trivinho, professor da PUC-SP especializado em Cibercultura.

A palavra blog, segundo uma das explicações mais comuns, vem do termo boardlog, algo como diário de bordo, em inglês. Assim, a inspiração real viria dos cadernos onde os comandantes de navios adotavam os procedimentos necessários para tornar possível refazer as viagens.

Mais do que diários de adolescentes, por tanto, os blogs são guias para a navegação no mundo virtual, onde o autor registra o que encontra de interessante na rede e abre caminhos a outros internautas.

Embora a internet tenha sido criada em 1969, a revolução começou de fato quando as ferramentas necessárias para a produção de artigos na rede ficaram simples e compreensíveis para grande parte dos usuários. Elas foram oferecidas por sites de hospedagem, como o Xanga.com, fundado em 1999, nos EUA. A partir dali o próprio usuário podia facilmente criar sua página e escrever o que quisesse para que todos o Jessem. Estava subvertida a ordem. Não era mais necessário ter o conhecimento técnico ou dinheiro para comprar um domínio na internet – era o advento da verdadeira liberdade de expressão virtual. Nascia o blog.

O problema é que o volume de informações acumulado nos blogs cresce muito mais rápido do que os meios de filtrá-las. “O internauta precisa manter um índice de desconfiança, do contrário torna-se politicamente ingênuo e sujeito a intempéries como e-mails perigosos e informações falsas”, alerta Trivinho.

Sreenath Sreenivasan, professor de Novas Mídias da Columbia University, em Nova York, acredita que não é a profissão de jornalista, por exemplo, que determina a qualidade do conteúdo apresentado. “Os melhores blogs são aqueles com uma voz forte, e que demonstram sua credibilidade não com algum selo ou credenciais, mas a partir do que escrevem, disse o professor a Carta Capital.

O especialista julga que a taxa de blogs criados, um a cada segundo, não deve perdurar por muito mais tempo. “Vão acontecer duas coisas opostas ao mesmo tempo. A primeira deve ser um reajuste drástico, em que muitos blogs com pouco tráfego devem morrer ou desaparecer. Depois os sobreviventes, os melhores blogs, devem atrair uma multidão de leitores.”

Então fica acertado que, pelo menos no panorama americano, os blogs são respeitados por seu conteúdo, não precisam de um “figurão” à sua frente e tendem a atrair cada vez mais leitores. Se os adequarmos a outros veículos de notícias, é natural que precisem de uma fonte de renda: a propaganda. E os anunciantes, acreditam nessa nova mídia? “Eles estão começando esse movimento. Eles se queimaram em 2000, com a bolha da internet, por isso estão mais cuidados”, diz o professor.

O problema é que, segundo dados do Pointer Institute, escola de jornalismo baseada na Flórida, a maior parte do dinheiro gasto pelas agências na internet vai para as páginas de busca como Google e Yahoo! – uma distribuição desproporcional, já que as mesmas têm somente 5% de todo o tráfego na internet, mas recebem 45% desse dinheiro.

“O mercado quer explorar qualquer mídia que surja, mas o controle do conteúdo na internet é muito complexo. Como vou me dar ao luxo de associar uma marca a uma página que nem sei quem faz?”, questiona Elenice Mori, diretora de mídia da agência publicitária Neogama BBH. Ao mesmo tempo, ela reconhece que as possibilidades comerciais dos blogs são quase infinitas.

Só no Brasil, o serviço MSN Spaces, da Microsoft, hospeda mais de 5 milhões de páginas de blogueiros – um crescimento de 90% nos últimos 12 meses. A gerente de marketing e sistemas de comunicação da multinacional, Priscyla AIves, atribui o sucesso do serviço ao espaço disponível para armazenar fotografias nas páginas. “O usuário gosta mais de atualizar as imagens do que os textos nos blogs”, afirma.

Outra conclusão das pesquisas da Microsoft no Brasil é que os internautas locais dão muito valor às ferramentas para controle de acesso aos blogs – um claro paradoxo, já que o objetivo principal das páginas é expor a vida pessoal para terceiros. “O Brasil tem forte apelo para produtos de relacionamento”, diz Priscyla, lembrando que o País é o segundo maior mercado mundial do Messenger, serviço de troca instantânea de mensagens, com mais de 20 milhões de usuários.

Embora o MSN Spaces ainda não seja uma fonte de receita – está prevista a colocação de anúncios nas páginas ainda no segundo semestre do ano, os blogs já servem de outdoor para outros produtos da Microsoft. Dona da conta da empresa no Brasil, a agência McCann Erickson é autorizada a entregar a blogueiros brasileiros as versões beta (de testes) de programas. “Damos acesso às novidades, como se fosse um vazamento, para que sejam publicados comentários a respeito dos produtos. Se a informação sai às 9 horas, dez minutos depois os blogs já estão espalhando a notícia”, diz o gerente de estratégia e tecnologia da agência, Phelipe Hamoui.

Difícil é controlar a informação, uma vez liberada na rede. “Mal fornecemos o beta da nova versão do Messenger e começou a correr o boato de que o uso do programa seria pago”, conta o publicitário. Nos EUA, a Microsoft mantém um blog que tem como uma das missões desmentir os boatos acerca da empresa no ambiente virtual.

Outra incursão recente da McCann no mundo dos blogs foi à criação de um para acompanhar o dia-a-dia dos 120 brasileiros levados pela MasterCard para a Copa do Mundo da Alemanha. Em 29 dias, a página foi acessada mais de um milhão de vezes. “O segredo está em colocar em um blog não necessariamente os produtos, mas um conteúdo interessante e que mantenha relação com os valores da marca”, avalia Paulo Sanna, diretor da agência.

Cientes dos riscos, poucas empresas brasileiras se arriscaram, até agora, a criar blogs corporativos. Uma delas é a construtora Tecnisa, que pôs no ar uma página há menos de dois meses. “O blog é uma troca de e-mails aberta para todo mundo. A empresa precisa estar pronta para encarar as criticas”, diz o diretor de marketing da construtora, Romeo Busarello.

O executivo comemora, sobretudo, a visibilidade que a iniciativa trouxe a Tecnisa. Um contrato com o Google faz a página ser listada a cada busca pelo termo “blog corporativo”. Com isso, embora só 1.900 pessoas tenham entrado no blog, nada menos que 3,4 milhões de internautas viram o endereço no serviço de buscas. A ação custou apenas 175 reais, fora as despesas para a criação do site.

Autor do livro Blog Corporativo, o consultor da Deloitte Fábio Cipriani ressalva, para os interessados apenas no potencial publicitário da ferramenta, que o tiro pode sair pela culatra se a empresa não abastecer o blog com informações interessantes e abrir espaço para o diálogo. “O importante é o conteúdo, senão, a estratégia não funciona”, diz.

Quem parece mais próximo, até agora, de dar contornos comerciais a blogsfera são as agências de marketing viral, especializadas em fazer as informações correrem pela rede na forma de boatos. Elas contratam blogueiros dedicados a “plantar” informações positivas onde for mais interessante.

A brasileira Espalhe tem em seus quadros, além de publicitários, gente como o economista Wagner Martins, mais famoso pelo pseudônimo Mr. Manson. No fim de 2004, ele fez circular entre blogueiros a notícia de que um brasileiro havia criado uma versão pornográfica do site de relacionamentos Orkut, o Sexkut, uma rede de pessoas que praticavam sexo entre si.

Dos blogs, o falso si te virou noticia nos grandes jornais, revistas especializadas e portais de informação, e recebeu milhares de e-mails de interessados. O know-how em boataria o levou a Espalhe, que realiza até campanhas anônimas. Gustavo Fortes, diretor de planejamento da Espalhe, conta que a agência já recrutou blogueiros para produzir conteúdo para os moblogs (páginas acessadas a partir de celulares), a pedido da Operadora Vivo. Com o empurrãozinho dos profissionais, o número de blogs móveis no ar subiu de 3 mil para 80 mil em três meses.

Outra ação consistiu na promoção de um time de streetball – modalidade de basquete de rua – e de um blog relacionado ao tema. As aparições dos jogadores eram quase restritas aos treinos no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, mas a página da internet recebia 1.500 visitantes por dia e os vídeos disponíveis no site eram copiados 10 mil vezes por semana. O objetivo da campanha era promover uma nova embalagem da Tetra Pak, a Tetra Prisma, e associá-la aos jovens que praticam esportes.

Para o diretor da Espalhe, as estratégias de cooptar os blogueiros para ajudar nas campanhas e nem sempre revelar a real intenção das campanhas não tornam o marketing viral antiético. “Fazemos o mesmo que as assessorias de imprensa, que tentam mostrar aos jornalistas que têm algo interessante para mostrar nos veículos de comunicação”, defende.

O jornalista Pedro Dória, um dos primeiros profissionais a serem pagos por uma empresa de comunicação para manter um blog, admite que a informação que circula na rede é altamente manipulável. Explica Dória: “As redações têm critérios definidos, uma hierarquia que faz o balanço da informação antes de publicá-la. Nos blogs não só não há esse controle como é preciso colocar muitos posts (artigos) no ar. Muito do que é colocado no ar passa por pessoas que não têm a tarimba de lidar com a informação”.

Hoje, sete anos depois da inovação proporcionada pelo pioneiro serviço de hospedagem Xanga.com, o acesso ficou tão fácil que não há como controlar o que vai ao ar. Ao contrário do esperado, nem o inglês nem o mandarim são a língua mais difundida entre os blogs, mas sim o japonês. Os consultores acreditam que isso se deve ao alto volume de pequenos artigos gerados a partir de telefones celulares – assim os japoneses escreviam textos menores muito mais vezes.

A blogsfera reflete tanto o que acontece ao redor do mundo quanto os interesses dos blogueiros. Alguns picos de artigos publicados (tabela à pág. 42) aconteceram durante o tsunami do Sudeste Asiático ou na época do furacão Katrina, nos EUA, mas o interesse pela ecologia fica evidente por tudo o que foi gerado com o anúncio da parceria entre a Intel e a Apple.

O blog mais lido do mundo, da atriz chinesa Xu Jinglei, no entanto, não discute quaisquer desses assuntos. Aliás, um dos últimos artigos fala da presença da atriz australiana Nicole Kidman em um festival de cinema em Xangai. E é escrito em mandarim.

Em um de seus artigos, publicado em novembro de 2005, Xu Jinglei explica suas motivações: “Há alguns dias uma colega criou um blog para mim e disse que eu deveria escrever alguma coisa e botar umas fotos. Ela sempre soube muito mais das coisas do que eu… e se ela disse que blogar era bom, isso quer dizer alguma coisa. Com isso reaprendi um ditado antigo: se escutar o conselho dos outros, sua cuia de arroz estará cheia.

A cuia tem razões para ficar cheia. A China contava em 2005 com 111 milhões de usuários de internet, de acordo com a Academia de Ciências Sociais do país. Destes, 17 milhões definem-se como “blogueiros”, hospedados em 658 diferentes provedoras de espaço. Todo esse universo permitiu que Xu Jinglei atingisse a marca de 40 milhões de visitas no mês de junho. A atriz acredita que o segredo esteja na simplicidade. “Por exemplo, um dia eu simplesmente escrevi a palavra Cansada. Se não quiser escrever, eu não escrevo. Claro, meus leitores também podem ficar cansados um dia. Mas isso não vai acontecer porque algo diferente acontece todos os dias. Minha vida não é repetitiva”, disse ela ao Nanfang Daily em fevereiro deste ano. O curioso é que mesmo o artigo da palavra “cansada” atraiu mais de mil comentários.

O americano BoingBoing, que se autodenomina “um diretório de coisas maravilhosas”, é o segundo blog mais popular na internet. Começou em 1988 como uma revista sobre temas como tecnologia, futurismo, ficção cientifica, eletrônicos e questões políticas. Transformou-se em site em 1995 e em 2000 foi relançado com um blog. Os quatro editores responsáveis passaram pela revista Wired, pioneira no tratamento mais profundo de questões tecnológicas e até hoje sucesso no mainstream. O conteúdo do dia 28 de junho, por exemplo, continha instruções de como fazer um tocador de MP3 a partir de um rádio AM de carro.

O Engadget, também americano, é o terceiro mais lido. O foco do blog é a alta tecnologia, particularmente eletrônicos para o consumidor – a diferença é que os artigos são escritos com bom humor.

Os outros blogs no Top 10 refletem um gosto eclético. O blog em quarto lugar, o PostSecret, é uma exposição de segredos, literalmente. Usuários mandam anonimamente pelo correio seus maiores segredos e os postais são fotografados e expostos na página. Um dos segredos, que se entende como o de um soldado no Iraque, era esse: “Não me alistei para ‘escapar’ de você. Me alistei para pagar o nosso casamento. Casa comigo?” Existem muitas outras mensagens, algumas tocantes como “foi aqui que perdi minha fé” escrita sobre uma imagem aérea do campus da Brigham Young University, em Utah, uma faculdade religiosa em um estado ultra-religioso.

Entre os outros seis, um é sobre fotos, três são sobre política e dois sobre, tecnologia. Dos dez primeiros, exceto o da atriz Xu Jinglei, todos são americanos. O mais próximo a não ser editado nos EUA é do comediante italiano Beppe Grillo, em 15° lugar – que mesmo assim abre automaticamente em língua inglesa, com opção para o italiano.

Para Alex Primo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do Laboratório de Interação Mediada por Computador, os blogs são um novo meio de comunicação que tem como principais características a interatividade e a falta de controle sobre os caminhos da informação. O grande desafio, ao menos para os estudiosos e para a indústria, está em entender como surgem os fenômenos de audiência. “É como tentar descobrir por onde começam os aplausos em um show. São processos emergentes, ainda não explicados pelas pesquisas.”

Fonte: Carta Capital

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